domingo, 6 de abril de 2008

. a dona da caixinha .



Vim de uma caixinha, pequenina e quentinha, de onde ouvia sons estranhos, de onde me chamavam de algo difícil de compreender. Por vezes senti saliências, assim descobri meus dedos.Senti frio quando saí, assim comecei a descobrir o mundo. Ao abrir meus olhinhos conheci a dona da caixinha e ela me ensinou a chamá-la de mãe. Os sons estranhos, eram meu nome, Regininha. Recebi mimos e carinhos, abraços apertados e aconchegantes. Ela deu-me a mão e me ajudou a dar os primeiros passos, ensinou-me o equilíbrio necessário para compreender que caminhar não significa apenas seguir em frente, mas hesitar, errar caminhos e reerguer-se diante da queda. A dona da caixinha ensinou-me o amor, aquele tipo de amor presente nos olhos, aquele amor que penetra, aquela espécie de amor pouco compreensível, mas extremamente viva. Ajudou-me a pronunciar a primeira palavra, que por ironia não foi o seu nome. Disse-me o que era sonho e felicidade em palavras vãs, ainda hoje acredito que ela só viveu plenamente a primeira. Ela me apresentou a Deus e a fé. Lembro-me quando falei sobre meu primeiro amor! Parecia que havia injetado em suas veias o meu sentimento. Foi estranho, confesso, pois até então, amor para mim era o que enxergava em seus olhos. Sempre dizia: “Olhem como ela é linda. É bastante estudiosa também, será estudante de direito!”.Podia sentir o rubor do meu rosto, fugia da idéia de decepcioná-la. Sem que pudesse esperar recebi a notícia, o chão pareceu não existir, questionamentos invadiram minha cabeça com força brutal, por mais que meus olhos buscassem algo visível o que era nítido esvaiu-se. Assim a dona da caixinha foi embora. Sem que pudesse me despedir. Vê-la rígida, sentir sua total ausência de vida pulsante e paradoxalmente viva fez minha alma chorar. O peso que carreguei nos ombros, fez-me crer na fraqueza que julgava irreal. Lacrar sua existência com um pedaço talhado de madeira me fez a personificação do desespero. Gritos e lágrimas. Essa fui eu. Cantei uma música triste que guardei em um canto escondido da minha memória...”olha, eu queria te falar agora, te encontrei por essa estrada afora e guardei você no coração. Olha! Um flor não é tão linda a toa, pois precisa de uma terra boa, pra poder dar frutos e crescer! Ah! Se eu pudesse, num gesto, num carinho, mostrar o que você é pra mim...” Quanta falta sua presença faz pelos cantos da casa. Ainda procuro sua voz, por vezes peço que me toque. Ela me ensinou a fé, mas eu questionei Deus. Quem estaria comigo quando minha caixinha estivesse cheia? Não importa. Não será ela. Deus levou a dona dos olhos mais brilhantes. Levou a guardiã da minha felicidade. A saudade invadiu meus dias, minhas noites, enfim...minha vida. Mas, minha vida também foi invadida pelo discernimento e pelo exercício incondicional do amor que minha mãe me ensinou.Exercitar esse sentimento me fez, não compreender, mas aceitar a saudade. Recomeçar é necessário e imprescindível para crescer. Preencher nossa vida com sentimentos diferentes do que aqueles que buscamos é inevitável quando o que queremos é simplesmente viver! O amor enaltece e acalma... E é esse amor que me faz permanecer, que me faz enxugar as lágrimas quando elas inconscientemente se fazem presentes em meus olhos. Saudades infinitas sinto e sentirei ao imaginar como tudo seria diferente se ela estivesse aqui, mas sua presença não é menos intensa, não é menos tocável. Não compreendo a morte, nem mesmo as razões de Deus, mas compreendo que a vida é um processo de dever ser, uma série de estados que devemos atravessar, muitos falham porque escolhem um estado e nele permanecem. Eu quis continuar, os dissabores da vida também alimentam o espírito e ensinam a viver. O amor por minha mãe é renovado sempre que compreendo que sonhos pequenos não são capazes de dignificar e justificar a existência do homem. ELE levou a dona da caixinha, levou a minha mãe querida, mas deixou em mim o mais profundo agradecimento por fazer parte DELA e, a isso, chamo AMOR.

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