Topo da Macieira, 28 de março de 2008.
"Olá querida Flor! Recebi sua carta e, de antemão, peço desculpa pela demora para enviar a resposta. Andei sem tempo, meu ninho estava cheio ovos e quando meus passarinhos finalmente vieram à tona, muito embora tenham me trazido bastante vida, também passaram a me dar trabalho. A todo instante ia em busca de comida para colocar em seus pequeninos bicos, fazia abrigos para protegê-los da chuva, tendo finalmente descanso quando os mais velhos aprenderam a voar e passaram a me ajudar com os menores. Confesso amiga Flor, que ao ler tuas palavras fiquei um tanto preocupada. Senti teu coração confuso, inquieto, à espera de algo que até agora não consegui dar nome. Sei bem que tamanha afobação é por causa do amor que passaste a nutrir pelo teu vizinho Girassol.
Difícil expor minha opinião sobre alguém que não conheço, a não ser através de ti, que a todo instante fala do Girassol com os olhos cheio de brilho. E essa tua intensidade em sentir tudo da maneira mais plena é realmente encantadora. No entanto, é preciso ter cuidado, pois a disponibilidade de doação, para o que quer que seja, tem que partir de ambas as partes.
Não sei muito do Girassol, mas acredito saber um pouco sobre a vida. Flor, eu demorei muito para descobrir o que era ser um pássaro, voava de uma árvore a outra sem grandes pretensões, visitava flores e árvores constantemente e detive minha atenção bastante tempo no sentimento que guardava pelo João-de-Barro. Eu era sabedora que meu amor era algo realmente belo, capaz de preencher minha barriga com incontáveis borboletas. Podia sentir meu corpo tremer ao ver o João-de-Barro. Era capaz de contar quantas vezes ele batia suas asas, quanto tempo empregava por dia para construir sua habitação. Reconhecia cada gesto, cada riso e, assim, sonhei que poderíamos voar juntos. Acontece, que o João-de-Barro passou a me trazer incertezas, nem mesmo eu sabia como agir. Acabei perdendo a conta das batidas de suas asas, ao invés de vê-lo rir, eu acabei chorando. E quanto chorei Florzinha. Chorei muito. Sentia algo parecido quando te quebram uma asa, ou no teu caso, arrancam-te uma pétala. Como que por encanto, desaprendi a voar. Já não visitava flores e arvores, passei a ter medo de altura e só erguia meus olhos para ver a pequenina casa erguida pelo Meu João no galho de macieira.
Mas, a hora de compreender o que nos cerca chega. É aquela espécie de entendimento que vem acompanhada da dor, mas o que é a dor senão o combustível da força?
Então, aos poucos, tentei voar novamente. Primeiro alcei vôo de um arbusto que sequer alcançava 1 metro do chão, depois de um pé de laranja. Vez ou outra caia, mas pouco depois estava lá tentando novamente. Ao me sentir mais segura resolvi voar o mais alto que pudesse. Saltei, assim, de um pé de graviola antigo. Bati minhas asinhas. Continuei batendo, batendo e resolvi pousar naquele pé de macieira onde morava o João-de-Barro. Ao descansar minhas asas naquele galho me aproximei da pequena casa e vê-la de perto pela primeira vez. Olhei-a, toquei-a levemente e, para minha surpresa, grande parte da parede ruiu. Observei atenta e percebi que tantas imperfeições havia naquele lugar, espaços a serem preenchidos, estrutura a ser recomposta e fortalecida. Entendi que o local que um dia quis habitar não era tão perfeito quanto imaginei e que, conseqüentemente, o proprietário também. Afinal, o que somos nós senão o que nos cerca? Senão o reflexo do lugar que escolhemos para crescer, viver e fazer de abrigo? Paredes fortes são construídas por gente forte. Eu era forte, logo incompatível com aquele lugar. Não pertencia a mim aquele galho, aquela casa. E, o barro com a qual foi construída sujou minhas frágeis asas. Dali sai e pretendo jamais voltar. Hoje querida flor, ainda observo a casa do João-de-Barro, ele ainda me visita. Confesso que meu coração saltita, talvez o hábito lhe cause excitação, mas a visão daquela casinha agora é diferente. Diferente pois a faço do alto. Dizem que no mundo dos homens havia um escritor que falava da importância de sermos a maça do topo, resolvi seguir seus conselhos e fui morar na mesma macieira que o inconstante João. No entanto, agora se alguém quiser me ver tem que olhar para cima, porque perdi o medo de altura e fiz das minhas asas armas capazes de me levar para longe de tudo capaz de me fazer triste. É Flor, o topo da macieira agora me pertence.
Tu, querida amiga, realmente queres um Girassol que te olha durante o dia e se esconde durante a noite? Nem toda hora o sol brilhará em tua direção e seus olhos com os dele se encontrarão. Não vivas esperando esse instante, busque sim olhar ao teu redor, na direção que desejares. Não queiras somente enxergar, mas que te enxerguem. Tão bela flor deve ser objeto de admiração. Tantos pingos de chuva já te beijaram e se viram apaixonados.
Não desmereço tuas verdades e teus sentimentos, pois bem sei que existem verdades que devem ser unicamente sentidas, pois dificilmente conseguiremos explicá-las. Não por serem verdades equivocadas, mas por representarem verdades que nossos olhos não estão aptos para ver e que nossa cabeça não está preparada para desvendar. Quando o nosso papel passa a ser o de tentar entender a verdade do outro a tarefa se torna ainda mais árdua, sobretudo quando sentimentos nossos estão inseridos nesse amontoado de idéias.
Precisamos despertar para aceitarmos e entendermos que somos espíritos em experiência, que o compasso no qual levas tua vida, pode ser diferente do Girassol. E estar junto exige o mesmo compasso, é um encontro...encontro de momentos, de vontades, de desejo de troca.
Mas não é sempre que acontece. Sempre existe alguém que lamenta e é preciso exercitar a aceitação do irremediável. Caso o lamento seja teu Flor, tantos te ajudarão a erguer-se. Demoramos a ver que o que mais tem valor não se toca, se sente, da felicidade não sabemos a cor. Da saudade desconhecemos a forma. Não podemos tocar a alegria.
Tudo aquilo que é absolutamente ausente de forma, é rico de conteúdo. É enganoso acharmos que os sentimentos que são a essência de nossa vida, devem ser compartilhados com a posse por quem os nutrimos. Não existe posse nos sentimentos, devemos dá-los simplesmente, doá-los e nunca fazê-lo por interesse ou necessidade de retorno.
Às vezes a vida exige que abramos mão de sentimentos em nome de uma busca que devemos empregar de nós mesmos. E, o que não nos acrescenta definitivamente não deve fazer parte de nós. Sei que não tens asas para habitar o topo de uma macieira, assim como eu, mas tens um cheiro tão bom capaz de se fazer sentir nas alturas. Deixe que o Girassol se volte para ti, tal como se volta para o Sol, deixe que ele se transforme num Giraflor. Perceberás, finalmente, que há tempos o vê de cima, pois seres ÚNICOS, tal como tu, possuem asas invisíveis e são grandes por natureza. O que é de verdade nunca morre e subjuga o tempo. Tal como a amizade entre a Flor e o Beija-Flor.
Cuide-se querida.
Um beijo da amiga Beija, que agora te beija, Flor."
"Olá querida Flor! Recebi sua carta e, de antemão, peço desculpa pela demora para enviar a resposta. Andei sem tempo, meu ninho estava cheio ovos e quando meus passarinhos finalmente vieram à tona, muito embora tenham me trazido bastante vida, também passaram a me dar trabalho. A todo instante ia em busca de comida para colocar em seus pequeninos bicos, fazia abrigos para protegê-los da chuva, tendo finalmente descanso quando os mais velhos aprenderam a voar e passaram a me ajudar com os menores. Confesso amiga Flor, que ao ler tuas palavras fiquei um tanto preocupada. Senti teu coração confuso, inquieto, à espera de algo que até agora não consegui dar nome. Sei bem que tamanha afobação é por causa do amor que passaste a nutrir pelo teu vizinho Girassol.
Difícil expor minha opinião sobre alguém que não conheço, a não ser através de ti, que a todo instante fala do Girassol com os olhos cheio de brilho. E essa tua intensidade em sentir tudo da maneira mais plena é realmente encantadora. No entanto, é preciso ter cuidado, pois a disponibilidade de doação, para o que quer que seja, tem que partir de ambas as partes.
Não sei muito do Girassol, mas acredito saber um pouco sobre a vida. Flor, eu demorei muito para descobrir o que era ser um pássaro, voava de uma árvore a outra sem grandes pretensões, visitava flores e árvores constantemente e detive minha atenção bastante tempo no sentimento que guardava pelo João-de-Barro. Eu era sabedora que meu amor era algo realmente belo, capaz de preencher minha barriga com incontáveis borboletas. Podia sentir meu corpo tremer ao ver o João-de-Barro. Era capaz de contar quantas vezes ele batia suas asas, quanto tempo empregava por dia para construir sua habitação. Reconhecia cada gesto, cada riso e, assim, sonhei que poderíamos voar juntos. Acontece, que o João-de-Barro passou a me trazer incertezas, nem mesmo eu sabia como agir. Acabei perdendo a conta das batidas de suas asas, ao invés de vê-lo rir, eu acabei chorando. E quanto chorei Florzinha. Chorei muito. Sentia algo parecido quando te quebram uma asa, ou no teu caso, arrancam-te uma pétala. Como que por encanto, desaprendi a voar. Já não visitava flores e arvores, passei a ter medo de altura e só erguia meus olhos para ver a pequenina casa erguida pelo Meu João no galho de macieira.
Mas, a hora de compreender o que nos cerca chega. É aquela espécie de entendimento que vem acompanhada da dor, mas o que é a dor senão o combustível da força?
Então, aos poucos, tentei voar novamente. Primeiro alcei vôo de um arbusto que sequer alcançava 1 metro do chão, depois de um pé de laranja. Vez ou outra caia, mas pouco depois estava lá tentando novamente. Ao me sentir mais segura resolvi voar o mais alto que pudesse. Saltei, assim, de um pé de graviola antigo. Bati minhas asinhas. Continuei batendo, batendo e resolvi pousar naquele pé de macieira onde morava o João-de-Barro. Ao descansar minhas asas naquele galho me aproximei da pequena casa e vê-la de perto pela primeira vez. Olhei-a, toquei-a levemente e, para minha surpresa, grande parte da parede ruiu. Observei atenta e percebi que tantas imperfeições havia naquele lugar, espaços a serem preenchidos, estrutura a ser recomposta e fortalecida. Entendi que o local que um dia quis habitar não era tão perfeito quanto imaginei e que, conseqüentemente, o proprietário também. Afinal, o que somos nós senão o que nos cerca? Senão o reflexo do lugar que escolhemos para crescer, viver e fazer de abrigo? Paredes fortes são construídas por gente forte. Eu era forte, logo incompatível com aquele lugar. Não pertencia a mim aquele galho, aquela casa. E, o barro com a qual foi construída sujou minhas frágeis asas. Dali sai e pretendo jamais voltar. Hoje querida flor, ainda observo a casa do João-de-Barro, ele ainda me visita. Confesso que meu coração saltita, talvez o hábito lhe cause excitação, mas a visão daquela casinha agora é diferente. Diferente pois a faço do alto. Dizem que no mundo dos homens havia um escritor que falava da importância de sermos a maça do topo, resolvi seguir seus conselhos e fui morar na mesma macieira que o inconstante João. No entanto, agora se alguém quiser me ver tem que olhar para cima, porque perdi o medo de altura e fiz das minhas asas armas capazes de me levar para longe de tudo capaz de me fazer triste. É Flor, o topo da macieira agora me pertence.
Tu, querida amiga, realmente queres um Girassol que te olha durante o dia e se esconde durante a noite? Nem toda hora o sol brilhará em tua direção e seus olhos com os dele se encontrarão. Não vivas esperando esse instante, busque sim olhar ao teu redor, na direção que desejares. Não queiras somente enxergar, mas que te enxerguem. Tão bela flor deve ser objeto de admiração. Tantos pingos de chuva já te beijaram e se viram apaixonados.
Não desmereço tuas verdades e teus sentimentos, pois bem sei que existem verdades que devem ser unicamente sentidas, pois dificilmente conseguiremos explicá-las. Não por serem verdades equivocadas, mas por representarem verdades que nossos olhos não estão aptos para ver e que nossa cabeça não está preparada para desvendar. Quando o nosso papel passa a ser o de tentar entender a verdade do outro a tarefa se torna ainda mais árdua, sobretudo quando sentimentos nossos estão inseridos nesse amontoado de idéias.
Precisamos despertar para aceitarmos e entendermos que somos espíritos em experiência, que o compasso no qual levas tua vida, pode ser diferente do Girassol. E estar junto exige o mesmo compasso, é um encontro...encontro de momentos, de vontades, de desejo de troca.
Mas não é sempre que acontece. Sempre existe alguém que lamenta e é preciso exercitar a aceitação do irremediável. Caso o lamento seja teu Flor, tantos te ajudarão a erguer-se. Demoramos a ver que o que mais tem valor não se toca, se sente, da felicidade não sabemos a cor. Da saudade desconhecemos a forma. Não podemos tocar a alegria.
Tudo aquilo que é absolutamente ausente de forma, é rico de conteúdo. É enganoso acharmos que os sentimentos que são a essência de nossa vida, devem ser compartilhados com a posse por quem os nutrimos. Não existe posse nos sentimentos, devemos dá-los simplesmente, doá-los e nunca fazê-lo por interesse ou necessidade de retorno.
Às vezes a vida exige que abramos mão de sentimentos em nome de uma busca que devemos empregar de nós mesmos. E, o que não nos acrescenta definitivamente não deve fazer parte de nós. Sei que não tens asas para habitar o topo de uma macieira, assim como eu, mas tens um cheiro tão bom capaz de se fazer sentir nas alturas. Deixe que o Girassol se volte para ti, tal como se volta para o Sol, deixe que ele se transforme num Giraflor. Perceberás, finalmente, que há tempos o vê de cima, pois seres ÚNICOS, tal como tu, possuem asas invisíveis e são grandes por natureza. O que é de verdade nunca morre e subjuga o tempo. Tal como a amizade entre a Flor e o Beija-Flor.
Cuide-se querida.
Um beijo da amiga Beija, que agora te beija, Flor."