domingo, 30 de março de 2008

. carta a minha amiga Flor.

Topo da Macieira, 28 de março de 2008.

"Olá querida Flor! Recebi sua carta e, de antemão, peço desculpa pela demora para enviar a resposta. Andei sem tempo, meu ninho estava cheio ovos e quando meus passarinhos finalmente vieram à tona, muito embora tenham me trazido bastante vida, também passaram a me dar trabalho. A todo instante ia em busca de comida para colocar em seus pequeninos bicos, fazia abrigos para protegê-los da chuva, tendo finalmente descanso quando os mais velhos aprenderam a voar e passaram a me ajudar com os menores. Confesso amiga Flor, que ao ler tuas palavras fiquei um tanto preocupada. Senti teu coração confuso, inquieto, à espera de algo que até agora não consegui dar nome. Sei bem que tamanha afobação é por causa do amor que passaste a nutrir pelo teu vizinho Girassol.
Difícil expor minha opinião sobre alguém que não conheço, a não ser através de ti, que a todo instante fala do Girassol com os olhos cheio de brilho. E essa tua intensidade em sentir tudo da maneira mais plena é realmente encantadora. No entanto, é preciso ter cuidado, pois a disponibilidade de doação, para o que quer que seja, tem que partir de ambas as partes.
Não sei muito do Girassol, mas acredito saber um pouco sobre a vida. Flor, eu demorei muito para descobrir o que era ser um pássaro, voava de uma árvore a outra sem grandes pretensões, visitava flores e árvores constantemente e detive minha atenção bastante tempo no sentimento que guardava pelo João-de-Barro. Eu era sabedora que meu amor era algo realmente belo, capaz de preencher minha barriga com incontáveis borboletas. Podia sentir meu corpo tremer ao ver o João-de-Barro. Era capaz de contar quantas vezes ele batia suas asas, quanto tempo empregava por dia para construir sua habitação. Reconhecia cada gesto, cada riso e, assim, sonhei que poderíamos voar juntos. Acontece, que o João-de-Barro passou a me trazer incertezas, nem mesmo eu sabia como agir. Acabei perdendo a conta das batidas de suas asas, ao invés de vê-lo rir, eu acabei chorando. E quanto chorei Florzinha. Chorei muito. Sentia algo parecido quando te quebram uma asa, ou no teu caso, arrancam-te uma pétala. Como que por encanto, desaprendi a voar. Já não visitava flores e arvores, passei a ter medo de altura e só erguia meus olhos para ver a pequenina casa erguida pelo Meu João no galho de macieira.
Mas, a hora de compreender o que nos cerca chega. É aquela espécie de entendimento que vem acompanhada da dor, mas o que é a dor senão o combustível da força?
Então, aos poucos, tentei voar novamente. Primeiro alcei vôo de um arbusto que sequer alcançava 1 metro do chão, depois de um pé de laranja. Vez ou outra caia, mas pouco depois estava lá tentando novamente. Ao me sentir mais segura resolvi voar o mais alto que pudesse. Saltei, assim, de um pé de graviola antigo. Bati minhas asinhas. Continuei batendo, batendo e resolvi pousar naquele pé de macieira onde morava o João-de-Barro. Ao descansar minhas asas naquele galho me aproximei da pequena casa e vê-la de perto pela primeira vez. Olhei-a, toquei-a levemente e, para minha surpresa, grande parte da parede ruiu. Observei atenta e percebi que tantas imperfeições havia naquele lugar, espaços a serem preenchidos, estrutura a ser recomposta e fortalecida. Entendi que o local que um dia quis habitar não era tão perfeito quanto imaginei e que, conseqüentemente, o proprietário também. Afinal, o que somos nós senão o que nos cerca? Senão o reflexo do lugar que escolhemos para crescer, viver e fazer de abrigo? Paredes fortes são construídas por gente forte. Eu era forte, logo incompatível com aquele lugar. Não pertencia a mim aquele galho, aquela casa. E, o barro com a qual foi construída sujou minhas frágeis asas. Dali sai e pretendo jamais voltar. Hoje querida flor, ainda observo a casa do João-de-Barro, ele ainda me visita. Confesso que meu coração saltita, talvez o hábito lhe cause excitação, mas a visão daquela casinha agora é diferente. Diferente pois a faço do alto. Dizem que no mundo dos homens havia um escritor que falava da importância de sermos a maça do topo, resolvi seguir seus conselhos e fui morar na mesma macieira que o inconstante João. No entanto, agora se alguém quiser me ver tem que olhar para cima, porque perdi o medo de altura e fiz das minhas asas armas capazes de me levar para longe de tudo capaz de me fazer triste. É Flor, o topo da macieira agora me pertence.
Tu, querida amiga, realmente queres um Girassol que te olha durante o dia e se esconde durante a noite? Nem toda hora o sol brilhará em tua direção e seus olhos com os dele se encontrarão. Não vivas esperando esse instante, busque sim olhar ao teu redor, na direção que desejares. Não queiras somente enxergar, mas que te enxerguem. Tão bela flor deve ser objeto de admiração. Tantos pingos de chuva já te beijaram e se viram apaixonados.
Não desmereço tuas verdades e teus sentimentos, pois bem sei que existem verdades que devem ser unicamente sentidas, pois dificilmente conseguiremos explicá-las. Não por serem verdades equivocadas, mas por representarem verdades que nossos olhos não estão aptos para ver e que nossa cabeça não está preparada para desvendar. Quando o nosso papel passa a ser o de tentar entender a verdade do outro a tarefa se torna ainda mais árdua, sobretudo quando sentimentos nossos estão inseridos nesse amontoado de idéias.
Precisamos despertar para aceitarmos e entendermos que somos espíritos em experiência, que o compasso no qual levas tua vida, pode ser diferente do Girassol. E estar junto exige o mesmo compasso, é um encontro...encontro de momentos, de vontades, de desejo de troca.
Mas não é sempre que acontece. Sempre existe alguém que lamenta e é preciso exercitar a aceitação do irremediável. Caso o lamento seja teu Flor, tantos te ajudarão a erguer-se. Demoramos a ver que o que mais tem valor não se toca, se sente, da felicidade não sabemos a cor. Da saudade desconhecemos a forma. Não podemos tocar a alegria.
Tudo aquilo que é absolutamente ausente de forma, é rico de conteúdo. É enganoso acharmos que os sentimentos que são a essência de nossa vida, devem ser compartilhados com a posse por quem os nutrimos. Não existe posse nos sentimentos, devemos dá-los simplesmente, doá-los e nunca fazê-lo por interesse ou necessidade de retorno.
Às vezes a vida exige que abramos mão de sentimentos em nome de uma busca que devemos empregar de nós mesmos. E, o que não nos acrescenta definitivamente não deve fazer parte de nós. Sei que não tens asas para habitar o topo de uma macieira, assim como eu, mas tens um cheiro tão bom capaz de se fazer sentir nas alturas. Deixe que o Girassol se volte para ti, tal como se volta para o Sol, deixe que ele se transforme num Giraflor. Perceberás, finalmente, que há tempos o vê de cima, pois seres ÚNICOS, tal como tu, possuem asas invisíveis e são grandes por natureza. O que é de verdade nunca morre e subjuga o tempo. Tal como a amizade entre a Flor e o Beija-Flor.
Cuide-se querida.
Um beijo da amiga Beija, que agora te beija, Flor."

terça-feira, 25 de março de 2008

. a quatro mãos .

Hoje busquei o que escrever e temi não ter nada a dizer. Seria a fatídica fuga de pensamentos e sentimentos? Minha caneta desliza macia ao som de um silêncio cortante, de um vazio inebriante. Minha maior paixão se vê purgada pelo nada, por essa falta de sabe-se lá o quê...Falta de amor, falta de liberdade, falta de emoções vívidas e pungentes. FALTA!

Frases estruturadas me parecem óbvias, pouco óbvia sou eu, que me vejo brincando com palavras sem nada dizer, simplesmente por amá-las. Mas elas são o invólucro de mim, desse recheio que me define. Por vezes não me alcanço, em outras me abraço. Sou um livro inteiro e uma folha em branco, no aguardo de palavras explícitas e misteriosas. Sou amor, sou fracasso, sou a glória, sou os extremos, sou a incapacidade e a força, sou o que digo e mais, sou principalmente o que não consigo dizer.

Vivendo de filosofias pré-moldadas caminho. Olho quadros. Vejo paisagens, escrevo poemas e assim vivo. Amo. Acredito.

Ainda surpreendo-me com as incapacidades do mundo, com o desamor, com as mentiras que contrariamente não estão fadadas ao fracasso.

Talvez a dignidade esteja em não permitir que me lancem no superficial, nas estalactites da alma. Pois sei que o tempo passa, que a maciez da pele vai embora com a mesma rapidez com que surgem os cabelos brancos. Os meus olhos já não possuem o brilho da minha infância. Aprendi a dar mais que meus ganhos e a maturidade que aos poucos chega me faz rir, e eu pensei que me faria chorar. Eu quero mais que a beleza e a juventude de hoje, eu quero amar melhor, quero paciência, quero força, quero ardor, quero a calma da maré, mas também quero a inquietude das ondas.

O relógio da vida não pára, assim como também não pode jamais cessar a busca por aquilo que nos dignifica como seres humanos.

Fiz um pacto com o destino e a quatro mãos construo meu caminho. Eu trago o sonho e ele me embebeda com a realidade.

sábado, 22 de março de 2008

. já me falaram .

Já me falaram que pra ser interessante tem que ser bonita, que pra ser bonita tem que ser magra, que pra ser magra tem que passar fome. Já me falaram que para ganhar dinheiro tem que trabalhar, mas que pra conseguir um bom trabalho tem que ter sorte e que sorte não se compra no mercadinho da esquina. Já me falaram que ter sonhos é bobagem, que sonhar muito é ocupação de preguiçoso e que preguiça faz mal. Que Papai Noel não existe e que só acredita nele quem é criança e que ser criança é tempo finito. Já me falaram que o bom é o preto no branco, que usar preto emagrece e que roupa branca se lava com água sanitária. Que dormir oito horas é o certo, desde que se deite às 10h e se levante às 6h, passando disso te chamam de desocupado. Já me falaram que ler é importante, mas que leitura boa é aquela de gente inteligente e que parecer inteligente ta na moda. Que ser educada é falar baixo, cruzar as pernas quando se senta e que permanecer sentado muito tempo interfere na circulação. Já me falaram que escrever é terapia e que terapia é coisa de maluco. Que ser feminina é estar sempre cheirosa e arrumada, mas que mania de arrumação é irritante. Já me falaram que homem adora mulher de unhas pintadas de cor clara e sem celulite. Que a vida de solteiro é vazia e que a vida de casado enche. Já me falaram que homem não presta e que amor de verdade é estória de novela mexicana. Que romantismo é coisa do passado, que pra se dar bem a gente tem que jogar. Fingir ser. Fingir sentir. Fingir sorrir. Fingir mentir. Fingir fingir. Mas, falaram-me tb da importância de ser fiel a mim, de fazer crescer a crença em minhas convicções. Falaram-me: Regina, seja a senhora das suas opiniões! Que não existem verdades inexoráveis. Então, descobri que beleza de verdade é que ta do lado de dentro, que pra ser bonita basta se sentir assim. Descobri que comer além da conta às vezes não faz mal a ninguém e que dinheiro não é o mais importante. Aprendi que sorte é materialização do esforço e que o trabalho dignifica qualquer conquista. Descobri que sonho é como o sangue que corre nas veias e que ter preguiça é natural. Que permanecer criança é tão importante quanto se tornar adulto. Aprendi que ao preto e ao branco podemos misturar cores e fazer do mundo um arco-íris. Aprendi que não importa dormir 8 min, 8 horas ou 80 anos, se o que vale é estar acordado para os sinais que a vida nos dá. Aprendi que ser desocupado é um tipo de ocupação que estabelecemos com o nada e que fazer nada também cansa. Que todo tipo de leitura alimenta desde que nos remexa por dentro. Que a inteligência da moda é aquela que nos permite entender e aceitar o outro como nosso irmão. Aprendi que ser educada é demonstrar respeito. Que gritar limpa o espírito. Que pra circulação é bom fazer caminhada e que é pra frente que se anda. Aprendi que caneta e papel em mãos é arma contra a melancolia e que todo mundo precisa de terapia. Que de médico e louco tb tenho um pouco. Aprendi que felizes são os malucos, pois eles são livres. Aprendi que o que irrita é necessário e que até o necessário é prescindível. Que esmalte escuro fortalece as unhas e que celulite é feminino. Aprendi que o que preenche a vida não é seu estado civil, mas o recheio que escolhemos para colocar dentro dela. Aprendi que o sexo masculino é sofisma e, por isso, sempre inconclusivo e inconcluso. Aprendi que ser antiquada é bacana e que tb posso ser atriz de novela mexicana. Aprendi que ser má jogadora não me torna necessariamente uma perdedora. Aprendi que o amor tb pode vir de mãos dadas com a dor. Aprendi que não adianta forjar sentimentos, ensaiar sorrisos, maquinar mentiras ou fingir ser fantoche dos acontecimentos. Aprendi ser EU, com todas as cargas, todos os pesos, todas as dores, amores e dissabores que ser EU me traz. Mas, ser EU, é divertido. Isso, ninguém me falou. Aprendi sozinha.